Reflexão Ideológica

27 novembro 2006

O Incômodo de Ser Normal

A sociedade tem a estranha mania de considerar normal aquele ou aquela que é igual a maioria. Assim, com medo de sermos rejeitados, vamos nos adequando a esses padrões e muitas vezes adquirindo jeitos e valores que não têm nada a ver conosco. Talvez seja isso que o Carl Rogers chama de condições de valor, i.é., para sermos amados, vamos dizendo não à nós mesmos e zendo sim às pessoas de quem esperamos atenção e amor.
O mais estranho é que não somos apenas alvos da sociedade. Somos também agentes dela. Assim, é normal sermos capazes de enquadrar quem é normal ou não de acordo com esses padrões.
O ciclo, então, se completa: ferimos e somos feridos a cada dia para que alimentemos essa angústia de nos parecermos mutuamente para amarmos e sermos amados. Os problemas vêm como consequência, pois não é possível sermos felizes onde não somos autênticos, contudo, isso é um processo normal do viver social.
Enquanto essas normas são estabelecidas sobre nosso jeito de vestir, de falar, de trabalhar, ainda conseguimos manter alguns graus de saúde. O problema maior é quando elas são estabelecidas sobre nosso jeito de sentir e de vivenciar nossos conceitos de fé.
Quando somos obrigados a reprimir os sentimentos para que não causemos problemas na convivência já experimentamos dores suficientes para nos neurotizarmos ( e não quero tratar desse assunto aqui). Porém, quando somos obrigados pelo sistema a vivermos de acordo com a maioria para que sejamos considerados normais, aí entramos numa contrariedade conceitual, pois Jesus não foi considerado normal, não pregou normalidade, não chamou gente para ser normal e não espera que sejamos normais.
Quando disse que seríamos luzes no meio das trevas estava dizendo que seríamos considerados esquisitos, antagônicos, diferentes. Tão esquisitos que não seríamos considerados pessoas bem vindas, pois nossa presença anularia o sistema de valores estabelecidos. Ele era assim. Atendia mulheres consideradas pelo sistema como indignas de serem atendidas, sentava com publicanos e pecadores, jantava na casa de cobradores de impostos a serviço de Roma e com fariseus que sabia serem eles adversários, ressuscitava filho de viúva a quem não conhecia e que nem lhe pedira o milagre, curava servos de soldados romanos que trabalhavam a serviço do sistema... enfim, era Ele (com todo respeito) um esquisito.
Me sinto muitas vezes distante dEle, porque continuo tentando ser considerado normal, convivo com normais, participo de um sistema religioso considerado normal (a não ser por poucos detalhes externos que Jesus um dia chamou de limpar copo apenas pelo lado de fora).
Estou me sentindo incomodado por ser normal. Tomara que o Senhor tenha misericórdia de mim e me ajude a ser um pouco parecido com Ele... e a sociedade me chamará de anormal.

14 novembro 2006

Lí um texto de Calvino e pensei...

Não sou muito fã de superestimar algumas pessoas como se a história começasse nelas, a não ser o próprio Cristo. Contudo, é natural que, como presbiteriano, leia Calvino com a distância crítica necessária, mas também com o carinho necessário por quem é ele em nossa caminhada.
Sua teologia a respeito da relação entre Estado e Igreja é fruto de um tempo específico. Dificilmente teríamos condições de defender todas aquelas propostas para os dias de hoje, entretanto, há um aspecto de sua história que nos chama atenção: seu envolvimento com as questões políticas numa perspectiva de responsabilidade com o Reino de Deus.
Após organizar a igreja genebrina, Calvino foi convidado a ajudar a organização das leis civis daquela cidade e, indubitavelmente, era uma das pessoas mais bem preparadas em toda Europa e não só em Genebra. Por conta dessa grande capacidade, seria inevitável que fosse convidado, e por conta de sua responsabilidade com Deus, seria inevitável que se dispusesse. Ele sabia dos riscos e que não seria saudável que a religião misturasse-se com essa questão, mas não tinha como, ele enquanto pessoa, não fazer aquele trabalho. Por isso, recebeu críticas pesadas e, em 21 de fevereiro de 1556 escreveu uma carta a Nicholas Zerkinden e nela dizia o seguinte:

Você perguntará a razão de envolver-me com essas questões que não são de minha profissão, e de gerar grande animosidade contra mim por parte de tanta gente - embora raramente me envolva com essas questões políticas, e esteja mergulhado nelas contra minha vontade, de fato, algumas vezes, permito-me tomar parte delas quando a necessidade o requer... Desejaria estar livre para exigir minha isenção. Mas desde que aqui retornei, há quatorze anos, quando Deus estendeu sua mão para mim, homens de forma inoportuna solicitaram-me, e eu mesmo não tinha nenhum pretexto decente para recusar. Tenho preferido dispor minhas dores na pacificação de problemas a permanecer como um expectador fútil. (Citado por Ronald Wallace em seu livro Calvino, Genebra e a Reforma, pg 34, publicado pela Editora Cultura Cristã).
Seria muito interessante que nós evangélicos considerássemos alguns aspectos a partir dessa experiência. Primeiro, se temos condições seremos procurados, se não temos não seremos. Segundo, se formos procurados, deveremos considerar os riscos que corremos, mas deveremos considerar também que a responsabilidade cristã é essencialmente uma ação de risco. Terceiro, se formos criticados com razão, deveremos aceitar e rever nossas posições, se formos criticados injustamente, seremos bem aventurados. Quarto, não é possível permanecermos como expectadores fúteis quando percebemos o que acontece à nossa volta.
A história calvinista paga grandes preços até hoje por essa participação, mas a história daquela cidade e da Europa em geral colhe grandes frutos por essa participação tão cristã. Assim, aprendemos que uns passam pela história, outros, a história passa por elas. É uma questão de opção.

04 novembro 2006

Tempo de Negociações Políticas

Após quatro anos de acertos e erros nossos governantes entraram na fase de negociações. Nesse período o Executivo tem o poder e o Legislativo se puder entrega até a mãe para que possa assumir alguma função importante.
O governo Lula abriu mão de vez do pressuposto ideológico (se é que um dia teve) e acertar com o PMDB, incluindo aí Jader Barbalho e sua trupe, é fundamental para sua sobrevivência com um mínimo de folga no Congresso Nacional, especialmente no Senado onde seu apoio é pífio. O preço obviamente será alto, pois o PMDB tem interesse na presidência das duas Casas Legislativas e certamente exigirá alguns ministérios de peso, diminuindo cada vez mais a presença do PT na administração federal.
O governo Cassol, em Rondônia, aumentou seu cacife na Assembléia Legislativa e um corja de deputados que foi eleita para fiscalizar e legislar está pronta para obedecer. Aqui pouco importam os Partidos, o que interessa mesmo são os conchavos regionais e interesses particulares, o que gostemos ou não nosso governador é corajoso o suficiente para liderar com mão de ferro. Desta maneira, Cassol não tem do que reclamar e não terá como justificar alguns desmandos no Estado como aconteceu em seu primeiro mandato.
Assim, a democracia brasileira, nessa mistura de presidencialismo e parlamentarismo, vai caminhando tropegamente esperando os próximos escândalos no orçamento. Se o povo brasileiro não pressionar por uma reforma política séria e participar ativamente do processo continuará do mesmo jeito, ou seja, dando milho aos pombos e se limpando do que eles jogam ao voar sobre nossas cabeças.