Reflexão Ideológica

14 novembro 2006

Lí um texto de Calvino e pensei...

Não sou muito fã de superestimar algumas pessoas como se a história começasse nelas, a não ser o próprio Cristo. Contudo, é natural que, como presbiteriano, leia Calvino com a distância crítica necessária, mas também com o carinho necessário por quem é ele em nossa caminhada.
Sua teologia a respeito da relação entre Estado e Igreja é fruto de um tempo específico. Dificilmente teríamos condições de defender todas aquelas propostas para os dias de hoje, entretanto, há um aspecto de sua história que nos chama atenção: seu envolvimento com as questões políticas numa perspectiva de responsabilidade com o Reino de Deus.
Após organizar a igreja genebrina, Calvino foi convidado a ajudar a organização das leis civis daquela cidade e, indubitavelmente, era uma das pessoas mais bem preparadas em toda Europa e não só em Genebra. Por conta dessa grande capacidade, seria inevitável que fosse convidado, e por conta de sua responsabilidade com Deus, seria inevitável que se dispusesse. Ele sabia dos riscos e que não seria saudável que a religião misturasse-se com essa questão, mas não tinha como, ele enquanto pessoa, não fazer aquele trabalho. Por isso, recebeu críticas pesadas e, em 21 de fevereiro de 1556 escreveu uma carta a Nicholas Zerkinden e nela dizia o seguinte:

Você perguntará a razão de envolver-me com essas questões que não são de minha profissão, e de gerar grande animosidade contra mim por parte de tanta gente - embora raramente me envolva com essas questões políticas, e esteja mergulhado nelas contra minha vontade, de fato, algumas vezes, permito-me tomar parte delas quando a necessidade o requer... Desejaria estar livre para exigir minha isenção. Mas desde que aqui retornei, há quatorze anos, quando Deus estendeu sua mão para mim, homens de forma inoportuna solicitaram-me, e eu mesmo não tinha nenhum pretexto decente para recusar. Tenho preferido dispor minhas dores na pacificação de problemas a permanecer como um expectador fútil. (Citado por Ronald Wallace em seu livro Calvino, Genebra e a Reforma, pg 34, publicado pela Editora Cultura Cristã).
Seria muito interessante que nós evangélicos considerássemos alguns aspectos a partir dessa experiência. Primeiro, se temos condições seremos procurados, se não temos não seremos. Segundo, se formos procurados, deveremos considerar os riscos que corremos, mas deveremos considerar também que a responsabilidade cristã é essencialmente uma ação de risco. Terceiro, se formos criticados com razão, deveremos aceitar e rever nossas posições, se formos criticados injustamente, seremos bem aventurados. Quarto, não é possível permanecermos como expectadores fúteis quando percebemos o que acontece à nossa volta.
A história calvinista paga grandes preços até hoje por essa participação, mas a história daquela cidade e da Europa em geral colhe grandes frutos por essa participação tão cristã. Assim, aprendemos que uns passam pela história, outros, a história passa por elas. É uma questão de opção.