Reflexão Ideológica

23 outubro 2006

IPB, adoração e cultura

Alguém já disse que quem tem o carro de sua vida estacionado num fato do passado tem o seu futuro atrás de si. Essa é uma afirmação muito utilizada em psicologia, contudo, imagino que pode ser utilizada também em outras práticas, e em nosso caso, na questão eclesiológica.
É muito bonito ver o esforço de alguns líderes na manutenção de aspectos litúrgicos que nos definem como presbiterianos. Isso demonstra amor pela história da IPB e mesmo pela IPB enquanto instituição onde temos vivido nossa fé e criado nossos filhos. Entretanto, isso também tem gerado argumentos e propostas que beiram o ridículo.
Uma das grandes dificuldades está no conceito de que existe uma prática cúltica essencialmente sagrada e que não pode ter manifestação cultural do contexto em que aquela comunidade está inserida. Qualquer pessoa com um mínimo de curiosidade percebe que as liturgias sempre manifestaram aspectos de um tempo específico e de uma cultura específica.
Não é possível imaginarmos que os debates acontecidos no tempo da chamada Reforma Protestante, e que Calvino tão bem experimentou na própria pele, tenha restaurado o culto de acordo com o que acontecia nos primeiros cultos cristãos (se é que isso seria necessário). Obviamente que eles estabeleceram alguns padrões para organizar e restaurar o princípio de adoração teocêntrica para aquele momento, já que a Igreja Cristã havia perdido os referenciais bíblicos. Me parece uma certa ingenuidade ou mesmo esperteza deduzir que as músicas criadas nesse momento tenham sido com melodia essencialmente sagrada. Claro que aqueles homens comuns foram utilizados por Deus de acordo com sua cultura e com seu tempo. Claro que suas músicas foram de letras iluminadas com melodias que suas mentes estavam habituadas. Desse modo, percebemos que não estavam neuroticamente tomados por essa fobia que tem tomado conta de nós de separar culto e cultura.
A discussão de fé e cultura tem sido muito interessante para esse momento e espero termos grandes reflexões no sentido de nos fazer crescer, porém espero que tenhamos tempo para caminharmos enquanto instituição de doutrina imutável, inclusive quanto às doutrinas sobre adoração ao Deus todo santo e todo perfeito, que procura adoradores e não adorações, mas também caminharmos como uma instituição capaz de ser relevante, pois nosso futuro está adiante de nós e não atrás de nós.
Quem tem o futuro atrás de si precisa de terapia, pois essa é uma forma de disfunção existencial.

07 outubro 2006

Li um texto do Rubem Alves e pensei...

Mais uma vez tive o privilégio de ler uma coletânea de textos do Rubem Alves. Minha alma sorri quando o leio. Aliás, acho que essa é a grande missão dos poetas: fazerem nossa alma sorrir, pois eles conseguem transpor às palavras aquilo que os sentimentos expressam. Quando os lemos, nossos sentimentos se vêem. E sorriem, pois se sentem entendidos.
Por exemplo, na crônica Senhoras Prefeitas, Senhores prefeitos ele diz o seguinte:
Digo, portanto, que a tarefa mais alta das prefeitas e dos prefeitos não são os dez mil atos administrativos e as inaugurações que se lhe seguem. Sua missão mais importante é seduzir os habitantes das cidades a amar os jardins, a pensar jardins. Por favor, me entendam: uso a palavra jardim como metáfora para o espaço da cidade, que deve ser uma extensão do corpo das pessoas.

A crônica toda é maravilhosa e me fez acreditar que há gente capaz de ver além daquilo que é o comum, alguém que vê o extraordinário, alguém que vê o utópico.
Contudo, em sua última crônica no citado livro, denominada de Esperança, e tratando ainda de política, ele diz:

...De fato, perdi as esperanças. Mas não por ter ficado deprimido. Perdi as esperanças no momento em que me decidi naquilo que meus os meus olhos têm estado a me dizer pela vida afora.
A perda da esperança pode ser uma manifestação de lucidez. O próprio Álvaro de Campos, sem modéstia alguma, ligava a perda da esperança à inteligência.

Continua sua reflexão, cita Guimarães Rosa e Maquiavel para defenestrar os políticos e a política, pois, segundo ele, politica é caçada e políticos são caçadores preparando armadilhas em busca pura e simplesmente do poder, e acrescenta:

Jogam-se as iscas: todos, sem exceção, são iguais no seu discursos - falam as mesmas coisas, as que são sempre faladas...

Li esse texto e pensei: meu Deus, ele também passou a ver só o que os olhos vêem. Não podem mais existir prefeitas e prefeitos com sonhos de jardins. Tudo acabou.
Aproveitando a frase do Alvaro de Campos, não me sinto inteligente o suficiente para perder a esperança. Creio na capacidade de homens que, como os poetas, expressam o que a alma justa pensa e que, diferente dos poetas, são capazes de se exporem para não apenas falarem sobre jardins, mas trabalharem na construção deles. Pessoas que saem dos escritórios, das salas de aulas, da frente dos computadores, dos auditórios de palestras e vêm para, como os profetas, dizerem o que precisa ser dito, serem criticados no que precisam ser criticados, discutirem o que precisa ser discutidos para que avanços sejam alcançados e jardins possam ser sonhados.
Continuo admirando o Rubem, assim como o Elias. Um dia o profeta precisou ser lembrado que, ainda que imaginasse estar tudo acabado, uma quantia enorme de gente, talvez desconhecida e despercebida pelos comuns, mas conhecida e percebida pelo Extraordinário, continuava sendo capaz de ser fermento levedando a massa.
O Salomão também me disse que a esperança que se adia faz adoecer o coração.