Reflexão Ideológica

27 março 2008

IGREJA: LUGAR DE COMPREENSÃO DOS LIMITES HUMANOS

Mc 14:32-41
(Mensagem pregada no dia 23-03-2008)

1. Jesus assume para si mesmo suas dores e angústias íntimas.
Jesus estava certo de tudo que enfrentaria e de que não anularia sua humanidade durante o período da cruz. Aquele seria um terrível encontro de sua divindade com o pecado e morte e com sua humanidade e a dor.
A morte de cruz era prática comum dos romanos naquele tempo e Jesus tinha noção exata do que aquilo significaria. O evangelista Marcos disse que junto a Pedro, Tiago e João Ele “começou a sentir-se tomado de pavor e de angústia”. O original grego nos passa a idéia de que ficou aflito e assombrado. Estava dominado por um terror que o fazia tremer diante do que estava por vir.
Jesus não estava disposto a disfarçar de si mesmo seus medos e angústias. Por isso, chama os discípulos para orarem. Ele sabia de sua absoluta divindade, mas também sabia de sua absoluta humanidade. Olhar para si e assumir sua realidade era imprescindível para ter força de suportar tudo que viria pela frente.

Um dos grandes problemas que temos na vida é não termos coragem de olharmos para dentro de nós e assumirmos que somos limitados e que sentimos: medos, dores, angústias, sofrimentos, depressões, pecados, ansiedades, fraquezas, covardias, invejas, dúvidas, incredulidades, lutas internas as mais digestivas possíveis.

Enquanto não formos capazes de olharmos para dentro de nós e percebermos exatamente quem somos, não seremos capazes de viver de modo autêntico com as pessoas na comunidade. Aí o que me resta é viver um modo irreal, meramente representativo e não poucas vezes hipócrita.
Jesus era autêntico e estava com medo.

2. Jesus partilha com seus discípulos suas dores e angústias íntimas.
O Filho de Deus. O Messias prometido há milênios. O Filho de Davi. O Leão da Tribo de Judá. O Todo Poderoso por meio de quem tudo que foi feito se fez estava ali, diante de desprezíveis pecadores, homens simples da vida cotidiana palestina, arreganhando seu coração dolorido. Disse Ele:
“A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai”
Ele rasga as entranhas de sua alma e a expõe de forma clara e aberta para ser vista pelo próximo.
Ele poderia esconder aquilo tudo para que não passasse alguma dúvida quanto à sua divindade e seu poder. Porém não era isso que Ele queria de seus discípulos. Não era isso que Ele queria de nós. Não era isso que queria de sua Igreja.
Disfarçar dores, limites e angústias diante de meu irmão não torna uma comunidade mais fraterna e verdadeiramente igreja.

Comunidade cristã fraterna é resultado de pessoas reais, verdadeiras, autênticas:
Pessoas que sofrem e buscam apoio e consolo na partilha com seus irmãos;
Pessoas que brigam e buscam ajuda para reconciliação porque entendem que aquele não é o prazer do Senhor;
Pessoas que têm medo e buscam segurança na oração e ajuda de seu irmão;
Pessoas que pecam, se envergonham, e mantêm-se junto, partilhando o que é possível, pois vê na comunhão cristã força para abandonar o pecado.
Enfim, só há igreja fraterna onde pessoas assumem para si mesmas suas dores e partilham as mesmas com sua comunidade, gerando assim um ambiente de autenticidade e respeito.


3) Os discípulos respeitaram a dor de Jesus
Sempre olhamos para esse texto com um olhar tosco sobre a atitude dos discípulos. Jesus os procurou, partilhou sua angústia e pediu para orarem com Ele. Ao voltar, nas três vezes, eles estavam dormindo (já ouvi e já preguei mensagens criticando os limites dos discípulos por dormirem).
Mas quero chamar atenção para um outro fato: eles ficaram ali e respeitaram o fato de seu Mestre ter medo.
Poderiam tê-lo chamado de fraco ou de covarde.
Poderiam ter desistido de estar com Ele.
Poderiam ter dito o que muita gente diz nessas horas: seja forte, isso passa.
Poderiam ter comparado com a história de outros diminuindo o tamanho de sua dor: teve tanta gente que já passou por isso...
Poderiam ter espiritualizado a sua dor: o Espírito Santo, todo poderoso, te dará vitória e você não passará por isso. Fique firme.
Não. O texto não diz nada sobre isso. Eles respeitaram o fato de que seu mestre era humano.

Uma comunidade que queira viver de modo fraterno precisa aprender respeitar (não significa concordar) o limite uns dos outros.
O próprio Cristo ensinou que devemos fazer aos outros, aquilo que queremos que façam conosco. A melhor maneira de sabermos como deveremos tratar alguém em seu momento de fraqueza, de dor, de angústia é fazermos exatamente o que gostaríamos que fizessem caso aquela fosse a nossa situação, ou quando for aquela a nossa situação.
Julgar o próximo é a arte de preparar nosso próprio julgamento. Jesus já disse que com a mesma medida com que julgarmos seremos julgados.


4) Jesus ensinou-nos sermos absolutamente francos com o Pai.
Uma comunidade cristã fraterna é formada por pessoas que assumem para si mesmas suas dores e mazelas, partilham com os outros suas realidades e aprendem respeitar as realidades dos outros. Mas é também uma comunidade formada por pessoas que se descortinam diante de Deus como verdadeiramente são, buscando nEle a força necessária para a caminhada.

Diante do Pai Jesus diz exatamente o que estava pensando: “Aba, Pai, tudo te é possível, passa de mim este cálice; contudo, não seja o que eu quero, e sim o que tu queres”.

Ele estava ali disposto a continuar obedecendo; estava ali disposto a fazer o que o Pai queria, mas estava assumindo: a minha vontade mesmo seria não ter de encarar a dor que tenho pela frente, por isso, gostaria que o Senhor arrumasse outra forma de fazer o que tenho para fazer.

Comunidade cristã fraterna não representa para Deus, não esconde seus sentimentos verdadeiros diante de Deus com teologias auto-afirmativas baratas. É isso que sente, é isso que ora.

Nossa possibilidade de ambiente curado começa com autenticidade consigo mesmo, com autenticidade com o próximo, com respeito ao próximo e termina com autenticidade com o Senhor.


CONCLUSÃO
Esse exercício de fé pública faz com que Jesus encontre a força para fazer o que fez por cada um de nós: “Chegou a hora; o Filho do Homem está sendo entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamos! Eis que o traidor se aproxima”.

SUGESTÃO DE PERGUNTAS PARA REFLEXÃO NOS GRUPOS FAMILIARES.

1. Como é para você assumir suas dores e fraquezas?
2. Você acha que um bom cristão pode viver período de dúvidas, culpas, medos?
3. O que você acha da coragem de Jesus de falar sobre aqueles medos?
4. Quais reações os discípulos poderiam ter?
5. Você tem facilidade em partilhar suas dores e lutas internas com alguns irmãos?
6. Quais os medos que batem ao falar sobre isso?
7. Você se considera alguém que respeita o outro quando este partilha alguma situação?
8. Mesmo quando isso é um pecado?
9. Você abre o coração com toda a verdade para o Pai quando vai orar? Como acha que Ele reage?
10. Como esse grupo tem sido usado ou como pode melhorar em ser um ambiente fraterno?